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quarta-feira, 24 de outubro de 2012


Frutos do Acaso
Por: Dr. Elsimar Coutinho
 
Você já pensou que poderia não ter nascido? Já imaginou que o seu lugar sua mãe poderia ter tido outro filho? Na realidade para que isso acontecesse e você não existisse bastaria um simples contratempo. Para considerar apenas a possibilidade de que outro espermatozóide que não aquele que lhe gerou alcançasse (e fertilizasse) o óvulo disponível para este fim naquele dia, basta lembrar que existem no ejaculado de um homem fértil cerca de 300 milhões de espermatozoides com mobilidade progressiva capazes de fertilizar o óvulo. Assim, qualquer outro espermatozoide, que não o que lhe gerou, poderia ter chegado na frente, gerando outro individuo que, certamente, não seria a pessoa que é você, e deste modo você não teria existido!
Se o pai não pudesse chegar a casa naquele dia por qualquer razão e adiasse a concepção de seu filho para a ovulação do mês seguinte, o concepto seria mais diferente ainda do que aquele gerado por outro espermatozóide que não o seu, porque apesar de os pais serem os mesmos, neste caso tanto o óvulo quanto o espermatozóide seriam diferentes. Em outras palavras, apesar das múltiplas possibilidades de nunca terem sequer se encontrado, os seus pais se encontrassem e se casassem como se casaram e sua concepção não ocorreria necessariamente como ocorreu.

A sua existência, assim como a minha e a existência de qualquer outro ser vivo no planeta, se deve, portanto a uma casualidade maior do que ganhar na Sena acumulada. Bastaria um desentendimento, um acidente, uma indisposição gástrica, uma visita demorada, uma gripe em qualquer um dos dois cônjuges para nós não termos nascido. Até no último minuto que precedeu a ejaculação portadora do espermatozóide que nos gerou, um incidente banal como uma janela batendo, um telefonema inoportuno, um grito na rua poderia ter impedido ou retardado a ejaculação que nos gerou, retirando do nosso espermatozóide a chance de chegar à frente como chegou.

Este exercício de probabilidades tanto pode nos tornar mais humildes admitindo que existimos ou deixamos de existir por um triz como nos induzir ao misticismo nos convencendo de que somos fruto de uma conspiração divina que armou todo o cenário e preparou tudo para que somente aquele espermatozóide alcançasse aquele óvulo naquele momento e que o fez para que nós não deixássemos de nascer destinados que estávamos a um "destino glorioso!". Para assumir esta simplista alternativa de milagre, é preciso ser muito presunçoso.

A fim de considerá-la, precisaríamos de outros milagres em cada etapa da existência dos nossos antepassados. A "milagrosa" concepção dos nossos pais. O seu encontro, o seu namoro. Os milhares (ou milhões) de circunstâncias que contribuíram para que se sentissem atraídos um pelo outro. O sucesso da sua união a despeito de tudo que contribuía para que não ocorresse, como a existência de alternativas para o casal. As outras mulheres. Os outros homens. Apesar de o milagre maior sempre parecer para cada um de nós o encontro de nosso espermatozóide com o óvulo que resultou em nossa concepção, a ocorrência da ovulação esta igualmente sujeita à influencia de uma variedade enorme de fatores que podem retarda-la, acelera-la, duplica-la ou inibi-la. Cada etapa da transformação do ovo fertilizado em embrião e o desenvolvimento do embrião até o parto exigem, para que a nossa existência seja possível, uma sucessão infindável de "milagres".

A simples (simples?) transformação das células do epitélio germinativo do testículo em espermatozóides pode ser acelerada ou sustada por uma variedade de fatores que influenciam a fertilidade do homem. Quando tudo isso que pode acontecer não acontece, torna-se tentador atribuirmos o fato ao Todo-Poderoso, seguros de que Ele cuidou pessoalmente da saúde dos nossos pais, da saúde dos nossos avós paternos e maternos, assim como dos nossos bisavós e trisavôs etc. Até o primeiro homem e a primeira mulher que deram origem a todos os homens e mulheres do mundo.

E é esta incrível sucessão de causalidades que precederam a nossa existência que torna qualquer consideração a respeito de como teria sido a nossa vida, se uma inundação ou uma greve de transportes tivesse impedido o encontro dos nossos pais, se Hitler não tivesse nascido se D. Pedro I não tivesse morrido na infância ou se nosso país tivesse sido colonizado pelos ingleses, um exercício fútil, porque se "isto ou aquilo" tivesse ocorrido nós não teríamos nascido para ver o resultado.
 
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